segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Às vezes, É Melhor Calar

Para falar a verdade, acho que nem é isso que quero dizer. Às vezes é preciso aproveitar a oportunidade de ficar calado. E esse “às vezes” é muito freqüente. Acreditem. Mas não estou pensando em evitar dizer besteiras, impropérios ou, no pior dos sentidos, de ofender alguém. Ao contrário do que muitos podem pensar – e do que muitos gostam de repetir e reforçar – se calar não precisa ser apenas deixar de falar. Calar deveria ser, antes de tudo, um esforço para ouvir. Não gostaria de ter estado ausente da Folha de Patrocínio – e do PatroSim – por tanto tempo. Há muitas razões para que eu tenha me ausentado – e não interessa discuti-las aqui – mas é importante dizer que ficar calado me ajudou muito a escutar um pouco mais.

No meio de um furacão de assuntos, encontros, viagens e tarefas, acabei ficando mais calado, ouvindo mais e aprendendo mais. Tenho amigos que dizem mesmo, desde sempre, que eu falo muito. Tenho amigos que dizem mesmo, desde sempre, que eu falo pouco. Desde sempre, em minha opinião, fico tentando entender quando é para fazer uma coisa e quando é para fazer outra. Até hoje, não achei uma fórmula muito boa, uma receita de bolo ou um “escutômetro”. Acho que não inventaram ainda um aparelhinho que diz quando é melhor falar, quando as pessoas querem é te ouvir ou, ao contrário, quando é preciso calar, quando as pessoas querem é ser ouvidas. Mas estive com grupos diferentes, em cidades diferentes, por períodos diferentes, com objetivos diferentes. Acho que podemos dispensar o tal “aparelhinho”. As pessoas nos dizem o que esperam de um jeito ou de outro. Mesmo quando nem elas não têm muita certeza.

Há algum tempo, na época em que Rubem Alves veio a Patrocínio, junho se não me engano, fiz uma referência a seu texto “Escutatório”. O texto sempre vale a pena ser lido e relido. Mas hoje quero recuperar umas poucas frases que acho que me ajudaram a expressar meu silêncio e a idéia que quero colocar nesse texto. “Não ter a obrigação de falar é uma felicidade. E eu comecei a me alimentar de silêncio também. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto...”

No meio do caminho, ainda encontrei alguém falando de uma época em que as pessoas eram avaliadas – e procuradas – pelo que elas tinham para dizer. Quando alguém recomendava um músico, um ator, um filme, um livro, um lugar, uma pessoa, qualquer coisa, a preocupação era saber o que essa pessoa tinha a dizer. As pessoas estavam preocupadas em ouvir e entender o que os outros tinham para dizer. Estavam preocupadas em buscar conteúdo. Estavam ocupadas em ouvir, pensar, refletir. Estavam preocupadas com mensagens. O problema é que a conta parece ter sido invertida. Ao invés de nos preocuparmos com o que os outros estão dizendo, corremos o risco de querer estar sob os holofotes porque somos nós quem está dizendo. Mesmo que, em alguns casos, falemos qualquer coisa.

Aproveitar a oportunidade de ficar calado, insisto, não é para evitar emitir opiniões, para evitar conflito e, de nenhuma maneira, para se omitir. Como diriam meus amigos menos “devocionais”: minha religião não me permite esse tipo de comportamento. Não mesmo. Se for preciso, vou falar. Hoje, preciso dizer que às vezes é preciso calar para poder ouvir. Hoje, entendo que existe muita qualidade no silêncio de quem recebe uma mensagem, pondera e se cala. Há muita qualidade no silêncio de quem se ocupa em ouvir. Há muito tempo remeto a Rubem Alves e nossa surdez, a Saramago e nossa cegueira. Em julho, disse que emudecer talvez fosse a saída para quem está cego e surdo. Hoje quero inverter o raciocínio e me perguntar se emudecer não seja um caminho para ouvir e ver melhor.


Um comentário:

  1. E Estamos Conversados
    Arnaldo Antunes
    Composição: Paulo Tatit / Arnaldo Antunes
    Eu não acho mais graça nenhuma nesse ruído constante
    que fazem as falas das pessoas falando, cochichando e reclamando,
    que eles querem mesmo é reclamar,
    como uma risada na minha orelha, ou como uma abelha, ou qualquer outra coisa pentelha,
    sobre as vidas alheias, ou como elas são feias,
    ou como estão cheias de tanto esconderem segredos
    que todo mundo já sabe, ou se não sabe desconfia.
    Eu não vou mais ficar ouvindo distraido eles falarem deles e do que eles fariam se fosse com eles
    e o que eles não fazem de jeito nenhum, como se interessasse a qualquer um.
    Eles são: As pessoas. As pessoas todas, fora os mudos.
    Se eles querem falar de mim, de nós, de nós dois,
    falem longe da minha janela, por favor, se for para falar do meu amor.
    Eu agora só escuto rádio, vitrola, gravador.
    Campainha, telefone, secretária eletrônica eu não ouço nunca mais, pelo menos por enquanto.
    Quem quiser papo comigo tem que calar a boca enquanto eu fecho o bico.
    E estamos conversados.

    Acho que essa música ilustra bem o que você disse.

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