segunda-feira, 2 de março de 2009

Me dá um dinheiro aí!

Acabado o carnaval, a quaresma, com certeza, servirá para pensarmos sobre essa nossa cultura de pedintes. Não apenas porque esse período de festa serviu para uma super exposição às contradições e contrastes do Brasil mas também porque agora é hora de trabalhar. Nem mais a máxima de que “o ano só começa depois do carnaval” serve para explicar ou justificar qualquer inércia ou paralisia. Nem para desviar a atenção para outras direções. Acabou o carnaval e esse é um bom momento para (re)pensarmos nossa postura como gente que pede ou que dá esmolas, que faz favores e que gera dependência.

Nas mais diferentes esferas sociais, nos mais diferentes âmbitos de convívio, nos deparamos com as situações em qeu parece ser natural pedir ao invés de fazer. Desde aquele pedido preguiçoso e inocente de qeum não quer se levantar do sofá até a relação - nada inocente - entre funcionários e patrões ou eleitores e políticos. Dentro de casa, na escola, no trabalho: a idéia de pedir que alguém nos dê alguma coisa ou que faça alguma coisa por ou para nós está em todos os lugares. Muitas vezes isso não deveria mesmo ter importância nenhuma. Mas quando a idéia de pedir e receber se espalha por nossa vidas, ela enfraquece os estímulos para trabalhar, lutar, correr atrás e conquistar - ela pode nos tornar incapazes.

Esperar que o que queremos chegue pelas mãos de outros pode ser parte de nossas raízes históricas. Pensando nos processo de descobrimento e colonização, fica fácil associar a realidade portuguesa e a postura da Igreja Católica naquele período com a idéia de dependência. O poder concentrado nas mãos de muito poucos, a idéia (forte ainda hoje) de desígnio divino, as estruturas feudais de servidão e senhorio. Essas estruturas sociais foram algumas das primeiras "tecnologias" implantadas no Brasil Colônia. Nos 300 anos após a conquista, a escravidão, monocultura, as capitanias e tantas outras formas de organização vieram reforçar a mentalidade que diz que pedir a quem tem recursos e poder por ser útil, lucrativo e até mais eficiente do que tentar fazer por si só. Pedir se transformou em parte do "ser brasileiro" desde as primeiras raízes.

O desenvolvimento do Brasil serviu para cristalizar alguns desses comportamentos. O crescimento do comércio, a vinda da corte e sua relação de promiscuidade com as lideranças locais, o fortalecimento dos coronéis, a forma como se deu a abolição, todos foram processos que endureceram formas de organização e de comportamento baseadas em relações de desigualdade socioeconômica e de concentração de poder. Nem os processos de proclamação da república, as inconfidências e revoltas ou mesmo a independência ficaram imunies às práticas de favorecimento e dependência.

Esse mal é tão velho e tão conhecido quanto é presente. Está tudo documentado, descrto, analisado em inúmeros livros, teses, cursos, palestras. Mesmo assim, parecemos não conseguir nos livrarmos disso de uma vez por todas. No final da primeira década dos anos 2000, ainda estamos atolados até o pescoço na idéia de que pedir funciona. Logo, fazer é perder tempo e energia. Se pedir funciona, fazer é para os bobos. Trabalhar é para quem não tem opção. Quem dá - uma esmola, uma cesta básica, um emprego ou uma casa - fica a chance de transformar quem recebe em devedor e dependente. Centavo por centavo, incentivamos a cultura de que aqueles que têm devem cuidar daqueles que não têm. Clientelismo e paternalismo sobram. Então pedimos e agradecemos. Mas assim perecemos ao invés de construirmos auto-estima, capacidade e uma sociedade que valoriza o trabalho e seus frutos. Trabalhar pra quê? E a marchinha continua: "ei, você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí!"

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