quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Quero morrer boba, no lugar de iludida

Mônica Othero Nunes

Percorri alguns quilômetros ali para o lado de Tejuco, Mata da Bananeira, Salitre. Olhei a beleza daquele lugar, o vento puro, a natureza ainda está em alguns lugares como Deus criou. Afaguei a terra, em silêncio reverenciei todos os seres vivos. Neste instante um pássaro preto mais curioso me espiou. Parecendo me perguntar:


- O que você tá fazendo aqui menina da cidade grande? - Não tive resposta para aquele olhar que ao encontrar com o meu traduziu:

- Despede-te deste lugar! Em breve não será o mesmo.

Aí o coração se apertou, como a sufocar. Que tristeza danada!

Tudo isso vai embora, em troca de alguns milhões? Em troca da ilusão financeira do progresso, do impulso econômico, da necessidade atual de gerar divisa, emprego! De plantar para alimentar ou plantar e armazenar dinheiro? Tudo isso vai ser transformado, mesmo que alguns poucos não queiram e tantos outros nem imaginam o que seja o valor aplicado e recolhido em reai$? E nós que nem queremos imaginar tanta mudança buscamos uma esperança que exista um estudo ambiental sério para que além do valor da riqueza, exista o valor da vida.

Espio devagar esse lugar. Pode ser que ao voltar daqui alguns anos nem pássaro preto eu encontre mais. Que animal vai conseguir se adaptar com tantas mudanças ambientais? Vai ter sim um local destinado para Reserva Legal. Escolhido nome de alguém para homenagear. Mas, lugar demarcado não é natureza livre por si só que vai resistindo até que fique em fotos, catálogos, livros científicos para estudos futuros. Pode ser que eu encontre no lugar um vai e vem de veículos, de pessoas... Pode ser que sinta o ar carregado, observe as casas próximas com portas e janelas trancadas “prá poeira não cobrir tudo". Pode ser que alguém diga: "dinheiro aqui não é problema, o problema é a violência, as doenças respiratórias, a falta d’água." Como o bicho homem vai se adaptar a esse “progre$$o”? Demandas serão escolhidas. As demandas vão superar as ofertas? Como vai ficar a vida dessas comunidades rurais?

Sinto-me uma guardiã em conflito entre dois estados distintos: natureza e economia. Quantas dádivas recebemos da terra? Atravessamos anos e anos na luta diária extraindo, comercializando, adquirindo. Mas, em se tratando da natureza a palavra é compartilhar. Quantas reuniões acontecerão para concluir que toda essa região tem um valor muito maior do que cifrões? Ninguém se atreve a dizer que não vai haver impacto. Pelo contrário até convidam para estudar esses impactos na vida de cada um. Mas, tenho a impressão que é conversa programada para seguir etapas pré-definidas, exigências governamentais. Se a questão fica só de um lado, passa a ser unilateral, que atende apenas alguns interesses.

O entendimento pode demorar um tempo, mas precisamos todos buscar informações, pronunciar, participar. Chegamos a uma situação em que se nós bobearmos, ficaremos com a cratera, assistiremos o dinheiro ser aplicado longe daqui. Ficaremos com a condição de gerar empregos braçais e enviar trabalhadores doentes pra perícia em Patos de Minas .Corremos o risco de ficarmos com um calor danado , escassez de água, crescimento da violência, falta de escolas, moradia, trânsito caótico . “Cruz credo, mas já está assim!” - alguém comenta. Até parece que escuto: "deixa de ser boba, fia! Negar um investimento assim? É o progre$$o!” Não é negar, é reestruturar dentro de vários segmentos: gente e natureza.

Aliás, nós ainda pertencemos ao reino animal. Quero morrer boba, no lugar de iludida. Pelo menos os bobos conversam com os pássaros, se emocionam diante da natureza, buscam alternativas. Vai chegar o dia em que a lembrança do canto do pássaro vai se resumir ao som gravado e reproduzido no relógio de pássaros. A cada hora, movido a pilhas, será possível ouvir: sabiá, curió, bem ti vi, perdiz, tucano, fogo apagou, curiango, canarinho... Sossegue seu coração apressado e atento: é chegada a hora de decidir.

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