Essa semana comemoramos o dia das mães criando exceções para nossas próprias regras. Ressaltamos comportamentos e características das mães que deveriam ser abandonados e, assim, acabamos por reforçá-los. Infelizmente, isso está presente nos comentários, ditos inocentes, entre amigos e familiares mas também está na televisão, nas promoções comerciais, nos anúncios de TV, nas campanhas corporativas, nos projetos sociais, nas políticas públicas. Quando chegar o final da semana, é possível que as comemorações tenham servido para reforçar as regras que gostaríamos que fossem exceções.
O tratamento especial que concedemos no dia das mães é atestado de hipocrisia. Desculpem o excesso de franqueza (existe isso?) mas minha mãe me educou assim. Mas pensem bem, se no Dia das Mães, especialmente no Dia das Mães tratamos nossas mães com carinho, respeito, reconhecimento e gratidão, como é que as tratamos no resto do ano? Se nesse domingo especial, cuidamos das crianças, ajudamos nas tarefas domésticas, respeitamos sua individualidade, respeitamos as diferenças, ouvimos e acatamos suas idéias, como nos comportamos nos outros dias? Não deveria ser assim, não precisa ser assim mas não é difícil encontrar exemplos bem próximos de nós desse tipo de comportamento, no mínimo, inconsistente.
Mas, poeticamente dizendo, é fardo de mãe: mulher que padece, chama de paraíso e zela para criar filhos machos e meninas moças. Nos seios das famílias é que se ensina a brincar de boneca, fazer comidinha, lavar a louça, brincar de casinha; ou a brincar de bola, de carrinho, de porradinha, a apostar corrida. O resultado, conhecemos bem e encontramos todos os domingos, primeiro na casa da avó e depois na casa da sogra. Meninos independentes, meninas comportadas. Homens à mesa e mulheres ao fogão. Homens mandam, mulheres obedecem. Às mulheres, a maternidade. Ser mãe ou ser feliz. O paraíso é para outros. O dia das mães é só para dar um gostinho.
Esse mecanismo está em todos os lugares. Talvez não chame a atenção de todos mas não é difícil pensar em frases do tipo “hoje não, hoje é o seu dia”. O mesmo vale para propagandas falando sobre “quem trabalha o dia todo e ainda trabalha à noite em casa e sorrindo”. Os sinais – me sinto tentado a usar “sintomas” - estão nos postos de trabalho, nas diferenças salariais, nas organizações sociais, na postura diante do mundo - das próprias mães e de todos os filhos. Programas sociais focam nas mulheres porque assim melhoram a educação, a saúde, a renda, a qualidade de vida das famílias inteiras e não apenas de indivíduos (leia-se homens). Mas, em muitos casos, reforçar o papel de mãe e esposa não significa reconhecer a mulher individualmente, reforçar sua individualidade e sua capacidade. Quando isso acontece, o foco é em modelos e papéis sociais machistas que são reforçados e se espalham pela sociedade.
Mãe também é gente. Não é brincadeira. É sério. Acreditem! Nosso discurso de respeito às mães camufla a maneira como tratamos as mães porque camufla a maneira como tratamos as mulheres. Estamos tão acostumados pensar e a nos comportarmos dentro de moldes que nos dizem que mãe tem que agüentar tudo que transformamos as mães em uma categoria diferente, nova e separada de “gente”. Não custa muito trabalho ver como essa categoria é a de mulheres. Conheço muitas mulheres que venceram e que lutam contra esses padrões; que conciliam essa libertação com gravidez, amamentação, cuidado. Conheço até alguns homens que também conseguiram. Tenho o prazer e o privilégio de conviver com muitas dessas pessoas diariamente. Conheço também instituições, projetos, políticas que trabalham no mesmo sentido. Mas ainda não posso dizer que se trate da regra.
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