quarta-feira, 2 de março de 2011

A verdade em pedaços

O Brabo, inspirador frequente aqui no PatroSim, publicou um texto de Bhikhu Parekh no Bacia das Almas. Republico apenas alguns pedaços mas deixo o link para o texto completo.

A verdade é plural
por Bhikhu Parekh

O pensamento ocidental tem sido por longo tempo dominado pela ideia de que o erro é plural e a verdade é singular. Podemos estar errados de muitos modos diferentes, mas certos de um modo só (...) só existe uma forma correta de se entender o mundo, um único verdadeiro sistema de moralidade, um único modo de se conduzir uma vida correta, uma única religião verdadeira, um único modo de organizar a sociedade e assim por diante. (...)

O pluralismo cultural contesta essa visão de verdade e de virtude (...) ele sustenta que a razão é moldada e estruturada pela cultura (...) quer dizer que não sejam capazes de transcender todas as sutis e profundas influências da cultura (...) As pessoas podem substituir uma cultura por outra, mas não tem como postar-se totalmente fora do âmbito da cultura.

Para o pluralismo cultural o mundo pode ser entendido de diferentes modos dependendo de nosso aparato, linguagem, interesses e propósitos conceituais, das perguntas que fazemos e do tipo de conhecimento que buscamos e valorizamos.

(...) As capacidades humanas e valores morais entram em conflito, e não podem ser integradas num sistema harmonioso sem perda. Diferentes comunidades culturais organizam-se com base em diferentes visões de uma vida correta, e fomentam diferentes capacidades, disposições e virtudes humanas. Toda comunidade cultural representa uma forma particular de excelência humana (...)

Toda cultura, portanto, requer outras como interlocutores críticos. No curso de um diálogo com elas, cada cultura torna-se consciente de sua especifidade e ganha acesso a outros valores, a virtudes que ela mesma marginaliza ou ignora. Quando se pressupõe que a verdade e a virtude são singulares, nenhum diálogo dessa espécie é necessário.(...) Na visão da cultura pluralista, o diálogo é central à vida moral e intelectual, sendo o único modo de se adquirir uma compreensão completa de sua matéria de estudo.

(...) O pluralismo cultural é uma ideia radical com implicações profundas. Ela nos imuniza contra a tendência sedutora e muito comum de pensarmos que só nossa visão de mundo, nossa religião ou sistema de moralidade é que são corretos, e podem ser com justiça serem usados para julgar todos os outros. Ele portanto gera humildade, respeito aos outros, abertura ao diálogo e o espírito de auto-crítica. Encoraja-nos também a ver os outros não como estranhos ou como ameaça, mas como parceiros de conversação que nos trazem os dons da auto-consciência e o acesso a seus tesouros, e cuja existência é pré-condição de nosso crescimento.

No nível social e político o pluralismo cultural implica que o discurso público não pode ser conduzido num único idioma conceitual e moral, devendo passar a admitir uma diversidade de dialetos e linguagens. Isso põe em dúvida o conceito dominante e dúbio de que uma sociedade não tem como ser estável a não ser que todos os seus membros concordem substantivamente a respeito dos valores de uma vida correta. (...) Não é de se admirar que a predominância do pluralismo cultural em anos recentes tenha desestabilizado as filosofias moral, social e política tradicionais; que tenha nos forçado a repensar nossos pressupostos e a redesenhar nossas instituições sociais e políticas. É provável que essa tarefa vital (...) nos ocupe ao longo de toda parcela de futuro que somos capazes de prever.

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