segunda-feira, 1 de junho de 2009

O Estado Sou Eu

Uma das maiores mentiras, contadas a torto e a direito mundo afora, é que Estado e Povo são duas coisas muito diferentes. Sempre que ouvimos falar em Estado, Governo, Política e afins, pensamos em outras pessoas, outros lugares, outros interesses. Pensamos em assuntos e decisões que estão distantes de nós, longe de nossa compreensão, influência ou alcance. O Estado é do governo, a política é dos políticos e para nós, simples mortais, fica o triste destino de viver o que eles, sempre “eles”, decidirem. Por essa perspectiva, Estada é uma coisa, população outra e as duas não se misturam. Nada poderia ser mais distante da realidade.

Mas, sinceramente, eu não deveria me surpreender: dividir para conquistar é uma fórmula antiga. Uma das maneiras mais fáceis de enfraquecer a população, os movimentos sociais ou, se preferirem, os exércitos, é dividir suas forças. Separá-los de qualquer sentido de unidade que possa orientar a ação. Separar a infantaria da cavalaria, as tropas do comando, as armas dos suprimentos. Não era mesmo para achar essa estratégia militar tão diferente da estratégia política: mesmo na democracia alguns estamos a pé enquanto outros se movem mais rápido, estão mais protegidos e tem mais “armas”; alguns de nós têm disposição para o combate mas estamos separados da liderança; muitas vezes, a capacidade de lutar é separada dos recursos que sustentariam o combate. Nenhuma novidade no reino da Dinamarca.

Política e poder, sim, andam de mãos dadas. Aliás, são unha e carne. Afinal de contas, talvez a melhor simplificação do significado de política seja “a organização do poder”. Claro que não se trata de política eleitoral, de política partidária, de politicagem ou dessa politiquinha de fuxicos e intrigas. Estou falando de Política maiúscula e onipresente. Sim, onipresente. Onde houver poder e organização, de acordo com essa perspectiva, há política. E onde há sociedade, há organização, há poder e há organização do poder.

Essa confusão que separa Estado do Povo, acredito, vem da diferença entre o discurso e a prática. Em todos os lugares, encontramos práticas de concentração do poder, subordinação, hierarquia. Em todos os lugares e o tempo todo. Historicamente, “sempre foi assim”. Alguns mecanismos de dominação são quase tão antigos quanto a própria idéia de sociedade. É difícil convencer as pessoas de que democracia deve ser, verdadeiramente, a organização do poder (política) feita pelo povo. Faz muito pouco tempo que começamos a querer inverter essa lógica, faz muito pouco tempo que começamos a mudar o discurso e a prática e isso ainda nos causa dificuldades.

É mesmo uma questão de inversão completa dos conceitos. Não é apenas um jogo de palavras quando pensamos – e tentamos praticar – que controle social significa controle do Estado pela sociedade. Antes, controle social era pensado como o controle da sociedade pelo Estado. Pode parecer pouca diferença mas não é. A ordem dos fatores altera, sim, o resultado. Um controla e o outro é controlado. A sociedade vem em primeiro lugar e não o Estado. Fica o termo controle social. Mas a inversão na ordem das palavras reflete a inversão de conceitos.

Mas o Estado não existe sem a sociedade. Os teóricos podem defender o quanto quiserem os conceitos abstratos. Mesmo no discurso, a sociedade me parece mais real, concreta e poderosa. Mesmo que eu não fosse um defensor ferrenho dos ideais democráticos, a sociedade simplesmente se impõe. Um dos mais absolutistas de todos os reis da história, um ícone da tirania e da concentração de poder teria dito que “o Estado sou eu (ele).” Evidentemente, ele não considerou que o Estado – como o entendemos hoje - não existe sem seu povo, sua cultura, seu território. Max Weber chamou a atenção para o “monopólio do uso legítimo da força”. Trabalho mais com a idéia do “monopólio do uso legítimo do Estado.” O Estado somos eu, você e todo mundo.

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