sexta-feira, 10 de julho de 2009

Competição, desconfiança e glória

Salvo engano, todo mundo quer ser bom no que faz. Todo mundo quer fazer bem feito, ter seu valor reconhecido e colher os frutos de seu esforço e dedicação. Todo mundo quer ser recompensado. Todo mundo quer vencer na vida. Trabalhamos muito duro para nos darmos bem, para termos sucesso. Um salário alto se não de para ser patrão é pelo menos um começo. Ser autoridade, chefe de alguma coisa, sair no jornal pode servir para ser reconhecido na rua, comentado na missa, convidado para o clube dos ricos e famosos. Nessa linha aí, uma pitada de poder viria muito a calhar. Um carguinho qualquer, um funcionário em quem mandar ou a simples capacidade de dizer não para alguém. Todo mundo quer grana, fama e poder. Será?

O problema é que crescemos ouvindo que é preciso ser alguém na vida e que só é reconhecido como gente – gente que importa pelo menos – quem vira doutor, rico, poderoso e famoso. Ou uma combinação de tudo isso. Damos mais importância às pessoas pelos títulos dados pelas universidades, cargo no cartão, nome na porta da sala; carros, casas, fazendas, empresas; freqüência que aparecem no jornal, na revista ou na internet. Somos induzidos a entender esses símbolos como sinais de sucesso. E somos levados a entender que esse sucesso depende da capacidade individual, do mérito de cada um. Quem se esforça se torna alguém, vence na vida.

Essa idéia de vencedores e perdedores, de competição nada mais é do que uma maneira de reforçar práticas e mecanismos de dominação, de controle. A questão é “vence” quem? Nada mais fácil de controlar do que uma pessoa – grupos ou populações inteiras – se todos acharem que o próximo é um adversário, um inimigo, alguém que disputa comigo oportunidades e recursos escassos. Não há maneira mais fácil de manter tudo como está do que reforçar as idéias e conceitos que sustentam o estado das coisas. Hoje ainda nos organizamos a partir da competição pensando nos moldes de “só o mais forte sobrevive”. Confundimos a lição da natureza de que os indivíduos que conseguem se reproduzir deixam herança genética com a capacidade desses indivíduos. Criamos símbolos para o que achamos que é nossa capacidade de vencer, símbolos para o que queremos entender como nosso mérito.

Na natureza, a abelha rainha não comanda; as formigas soldados não impõem ordem, os operários não são subjugados, submissos ou “perdedores”. Aliás, os próprios nomes que atribuímos às funções desempenhadas por esses insetos são uma projeção de nossas práticas autoritárias e hierárquicas. As funções deles mudam de acordo com as condições que encontram, de seu meio e isso inclui, evidentemente, a atividade de outras formigas. Um animal busca sua sobrevivência e não disputa com outros. Mesmo os predadores solitários, buscam alimento mas não competem um contra o outro – e eles não ostentam seus resultados como prova de sua competência.

Nosso sucesso talvez pudesse ser medido pelo aproveitamento de nosso potencial. Nada do “faço o que posso” ou “vou ver o que consigo”. Mas se esforçar para fazer o seu melhor. Nossas conquistas nunca são maiores do que nossa capacidade e nossa capacidade é definida pelas condições que encontramos no mundo. É nossa obrigação aproveitar as oportunidades que nos são dadas. Nossos resultados não são nosso mérito. Não são motivo de elogio, prêmio ou reconhecimento. Tínhamos todas as condições para alcançá-los. Nada disso nos faz mais ou menos importantes que qualquer outra pessoa independentemente de nosso exibicionismo, desenvoltura ou da nossa opinião sobre nós mesmos. Augusto de Franco resume o argumento assim: “se todos tivessem sucesso, cada qual naquilo que realiza de uma maneira peculiar (e que só ele pode realizar daquela maneira), o sucesso não seria um prêmio pela vitória.” A glória está em ser tudo que se pode ser.

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