quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Pretos versus Porbres

Não há como negar a relação íntima entre pobreza e discriminação racial no Brasil. Chega a ser tão óbvia, tão intensa e tão constante que nem pensamos muito nisso. Ou, pior ainda, quando perguntados, damos as mesmas razões para as duas e achamos que o combate a uma é o combate à outra. Combatemos a pobreza e achamos que estamos combatendo a discriminação racial. Deparamo-nos com situações de discriminação e pensamos em falta de emprego, falta de educação, falta de saúde. Qualquer levantamento, estudo, análise ou estatística vai mostrar uma freqüência grande dos problemas sociais entre as populações negra e parda. Rapidamente alguém vai identificar a questão racial com a questão social maior (pobreza e/ou distribuição de renda) e, pronto, “pobre do pretinho pobre!”

Nessa sexta, dia 20 de novembro, celebramos o Dia da Consciência Negra Brasil afora. Em vários municípios é feriado, no País inteiro há movimentação cultural, mobilização social, manifestações. Líderes reforçam seus discursos, militantes intensificam a contestação, artistas e políticos expressam suas posições. Oportunistas aparecem por todos os lados para “tirar uma casquinha” com uma postura que não chega ao final do dia. É um dia só, uma semana nas melhores programações e, dia 21, lutamos para não voltar ao ponto de onde partimos dia 19.

Em Patrocínio, estamos em posição privilegiada. Aqui devemos nos orgulhar de, subvertendo o sentido da expressão, “a coisa estar preta”! Comemoramos o Dia da Consciência Negra com apresentações de hip-hop, dança afro, congado e, na melhor expressão da nossa capacidade de conciliar “culturas” diferentes, uma missa conga. A comunidade negra é unida e organizada, ocupa espaços de participação popular e de controle social. Ela resiste aos ataques patrimonialistas e populismos de líderes – eleitos ou não – conservadores. Ela combate, de forma não violenta, a violência que sofre diariamente. Em Patrocínio, dificilmente será necessário tentar separar discriminação racial de pobreza. Mesmo os “pretos pobres” sabem a diferença.

Zulu Araújo, presidente da Fundação Cultural Palmares, esteve no programa Roda Viva, da TV Cultura no último dia 16. Sua entrevista foi uma verdadeira aula de cidadania, questões raciais e, sim, combate à pobreza. Combater a pobreza é fundamental mas políticas de geração e emprego e renda, transferência de renda, inserção no mercado de trabalho não são – nem podem ser confundidas – com políticas de ação afirmativa como o ensino obrigatório da história e da cultura afro-brasileira nas escolas, a proteção do patrimônio cultural de origem africana, a proteção das populações e terras quilombolas e a política de cotas para universidades e empregos.

“Um branco pobre não tem menos direitos que um negro pobre” – ele disse em outras palavras – “mas um negro rico ainda é negro. Temos um caso de um alto funcionário público que foi preso por roubo ao tentar abrir um carro oficial que estava usando a trabalho”. Ele continuou: “assim como não fazemos distinção de classe social quando protegemos mulheres, crianças, idosos, deficientes, não podemos fazer distinção de classe social quando tratamos a questão racial”.

A idéia de “quase pretos de tão pobres” expressa uma identificação construída ao longo de quase de 400 anos em um país com pouco mais 500 anos de história. Há 120, começamos a mudar essa história, avançamos muito mas não há dúvida de que ainda estamos muito longe de onde deveríamos estar. São questões complexas, profundas, que devem ser combatidas com firmeza e, sim, de maneira integrada. Educação, saúde, segurança, emprego. Mas são duas questões diferentes que devemos, todos, enfrentarmos juntos. Sem querer tapar a discriminação com a pobreza, sem colocar os “pretos” versus os pobres.


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