Quando pensamos em segurança pública ainda pensamos em crime, violência e polícia. Achamos natural que seja assim e não vemos, mesmo quando temos a melhor das intenções, que estamos olhando – e agindo – na direção errada. Associamos a idéia de segurança a roubos, seqüestros, furtos, homicídios. Quando queremos conversar sobre segurança, pensamos no Capitão Nascimento e no Fernandinho Beira-Mar, pensamos nos morros do Rio, no Carandiru. Mas nenhum desses aí é um exemplo de segurança. Quando queremos conversar sobre segurança, olhamos para o lado contrário.
Podemos reconhecer essa distorção mas isso não significa que temos que assumir a responsabilidade por ela e, menos ainda, que tenhamos que continuar vendo o mundo assim. Ainda carregamos marcas fortes de um tempo próximo em que direitos como a liberdade de expressão, a livre associação, o devido processo legal ou a integridade física não existiam nem no papel. Ainda temos de lidar com indivíduos, instituições e regras que tratam cidadania e segurança como opostos.
Mas hoje manifestamos nossas opiniões; participamos de todos os tipos de associações; devemos responder a um processo de acordo com a lei, com amplo direito de defesa e sermos julgados antes de qualquer condenação e da aplicação da pena; sabemos que em hipótese alguma, mesmo que ainda apenas formalmente, não podemos ser torturados. Estamos longe de onde gostaríamos de estar mas, é preciso dizer, estamos muito distantes de onde estivemos há muito pouco tempo.
Não é por ma fé, não é por má índole, não é por maldade, mas muitos de nossos pais, nossos professores, nossos políticos, dos trabalhadores da segurança pública e, porque não dizer, muitos de nós nascemos, aprendemos a entender o mundo e nos “entendemos por gente” dentro dessa perspectiva em que se calar era o certo, se submeter era sinal de respeito e educação, em que mobilização era subversão, evocar direitos era se rebelar, trabalhar por um mundo melhor significava ser revolucionário ou, imaginem, comunista.
Essa distorção não é privilégio do mundo da segurança pública. Muito do que vemos por aí vemos também dentro das casas, das escolas, das empresas. Há um modelo hierárquico e autoritário disseminado nas mais diversas formas de organização social a começar pela família. Idéias como a autoridade absoluta de uns sobre outros, do uso legítimo da violência física e psicológica, do processo decisório e do poder concentrados estão por toda parte. Chega a ser difícil dizer se, ao longo de milênios, criamos formas de organização que culminaram num Estado que repete o padrão que aplicamos em todos os outros lugares ou se foi o contrário – se a evolução dos regimes políticos é que espalhou esses modelos de dominação por todas as esferas sociais.
Esse padrão de organização dificulta o nosso desenvolvimento. Se pensarmos em uma família desestruturada, violenta, com abuso de poder e de autoridade, fica fácil ver como o desenvolvimento dos filhos individualmente e da família como um grupo será comprometido. Numa comunidade em que repetimos os padrões e idéias de autoridade, hierarquia, ordem imposta pela força, violência e repressão em escalas muito maiores, não é diferente. O pleno desenvolvimento dos cidadãos e da comunidade como um todo ficam, necessariamente, comprometidos. Se quisermos construir segurança, precisamos esquecer tudo isso e nos concentrarmos em saúde, educação, moradia, emprego e renda. Precisamos pensar em direitos, inclusão, participação, construção coletiva, comunidade; em segurança como um direito, como uma garantia de liberdade e como condição necessária para o pleno desenvolvimento e exercício da cidadania.
quarta-feira, 1 de julho de 2009
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