quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Escola em Tempo Integral

Por Mônica Othero Nunes

Quando eu leio a notícia que aqui no nosso Município no último dia 13/08 foi implantada a primeira Escola em Tempo integral no distrito de Santa Luzia dos Barros, começo a acreditar que a educação nessas terras começa a escrever um novo capítulo.

Participei durantes anos do processo onde a criança nascida e criada na zona rural vê seu destino escolar a cidade. Antes porém a estrada, a parada em cada porteira, o tempo para ir e para voltar, a prece dos pais, o contraste de lugares, a sedução de tudo bonito, o apelido dos colegas "matuto", "roceiro", a dificuldade de entender certas palavras, onde encontrar material para pesquisar, como acompanhar às aulas? Como conseqüência deste contato entre o rural e o urbano milhares de famílias deixaram o campo, o contato com a natureza, migraram para a cidade "grande" e se perderam em vários aspectos que envolvem desde a qualidade de vida até o sentimento "eu era feliz e não sabia".

Iludidos que morando na cidade conseguiriam conforto passam a gastar mais, se afastam da origem, alguns desenvolvem vícios como o jogo e o alcoolismo, acabam vendendo seu pedaço de terra de onde saia o sustento e a situação tende a piorar. Erroneamente, achamos que o homem rural apenas trabalha no campo, não vemos como um morador, alguém em contato com a natureza, com suas crenças, sua cultura, julgamos um ser passivo, que precisa receber os ensinamentos do homem da cidade, quando na verdade ele precisa é ser valorizado ali no seu pedaço, no seu chão sagrado.

Existem inúmeros "analfabetos" na zona rural que jamais vão precisar de uma Comissão de Código de Ética, por que sabem naturalmente o que leva a mentira, o roubo, a enganação. Ninguém precisa "civilizar" o homem rural, precisa sim desenvolver mecanismos para que ele não se contamine pela idéia de que viver na cidade é melhor do que na roça.

A escola rural que souber associar o ensinamento didático com o ensinamento de quem mora na zona rural irá sem dúvida proporcionar uma troca de conhecimento e conseqüentemente a interação e a permanêcia do homem no campo.

Não podemos esquecer que é do campo que vem nosso alimento mas é na cidade que são tomadas as decisões e elaboradas as Leis, muitas vezes sem a participação dos dois lados. São realidades diferentes, distanciadas por interesse de alguns, espalham a idéia erronea que cabe ao "doutor", ao que tem diploma a capacidade de traçar rumos.

A escola, e conseqüentemente a educação, ali implantada deve unir os interesses da comunidade, não excluindo nada desde o conhecimento das ervas medicinais até o sentimento errôneo que o morar no campo é ruim.

Uma escola Integral deve ser integral em todos os aspectos desde os anseios da comunidade, a cultura do local, a participação de ponta a ponta: família, aluno, comunidade.

Quantos ainda acham que educar o povo é uma perda de tempo?

O mundo todo precisa de pessoas não só alfabetizadas, mas pessoas capazes de escolher seu caminho, deixando de ser enganadas, manipuladas, exploradas. Educação é muito mais que uma sala de aula, muito mais do que alguém ensinando e alguém tentando aprender, é o elo fundamental onde o indivíduo se une ao grupo, a sociedade, onde desperta para a força existente na realidade "que um mais é sempre mais que dois".

Tomara que outras escolas sejam inauguradas aqui no Municipio e diante da pergunta: -Você sabe ler e escrever? Sabe votar? A resposta seja: - Eu sei escolher, questionar, participar.

Que a resposta dada por Ciço, um agricultor familiar residente no sul de Minas Gerais, sobre educação seja nosso incentivo para escrever outra página. Aprecie suas palavras: ”Porque é assim desse jeito que eu queria explicar pro senhor. Tem uma educação que vira o destino do homem, não vira? Ele entra ali com um destino e sai com outro. Quem fez? Estudo, foi estudo regular: um saber completo. Ele entra dum tamanho e sai do outro. Parece que essa educação que foi a sua tem uma força que tá nela e não tá. Como é que um menino como eu fui mudá num doutor, num professor, num sujeito de muita valia? Agora, se eu quero lembrar da minha: “enxada”. Se eu quero lembrar: “trabalho”. E eu hoje só dou conta de um lembrarzinho: a escolinha, um ano, dois, um caderninho, um livro, cartilha? Eu nem sei, eu não lembro. Aquilo de um bê-a-bá, de uma alfabetozinho. Deu pra aprender? Não deu. Deu pra saber escrever um nome, pra ler uma letrinha, outra. Foi só. O senhor sabe? Muito companheiro meu na roça, na cidade mesmo, não teve nem isso. A gente vê velho aí pra esses fundos que não sabe separar um A dum B. Gente que pega dum lápis e desenha o nome dele lá naquela dificuldade, naquele sofrimento. Mão que foi feita pro cabo da enxada acha a caneta muito pesada e quem não teve prazo dum estudozinho regular quando era menino, de velho é que não aprende mais, aprende? Pra quê? Porque eu vou dizer uma coisa pro senhor: pra quem é como esse povo de roça o estudo de escola é de pouca valia, porque o estudo é pouco e não serve pra fazer da gente um melhor. Serve só pra gente seguir sendo como era, com um pouquinho de leitura. (...)(trecho livro A questão política da educação popular, autor Carlos Rodrigues Brandão)

Mônica Othero Nunes
monica_nunes@terra.com.br

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