sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Você não é daqui. Desse jeito, não quero ser.

Sempre sou confrontado com frases do tipo “você não é daqui, aqui as coisas são diferentes” e sempre fico negativamente impressionado. Fico impressionado com a força que esse mecanismo de controle social tem por aqui. Fico impressionado também com a freqüência com que ele é usado e com o pronto apoio que recebe. Perceber que algumas pessoas que mais sofrem esse tipo de controle o repetem e o reforçam chega a ser triste. Finalmente, a aparente ignorância do mecanismo em ação e sua vinculação com a cidade minam as forças do mais bem intencionado dos “estrangeiros”. Não acredito que para ser patrocinense seja necessário agir assim. Muito pelo contrário.

A idéia de desqualificar a pessoa com quem você conversa, de querer impor-lhe algum tipo de ignorância fundamental, colocar-se como alguém superior, transformar seu interlocutor num estrangeiro destituído de conhecimento e de direitos, tudo isso é tão velho quanto a civilização. De hoje para o passado, vale a pena citar o Nazismo, a conquista da América, a Inquisição e as Cruzadas, a relação entre bárbaros e romanos, a escravidão desde sempre... Os grandes exemplos históricos servem para nos ajudar a entender do que estamos tratando e como esses mecanismos, aos poucos, se espalharam por todos os cantos do mundo e contaminaram muitas idéias, formas de organização social e, assim, inúmeras esferas de nossas vidas. Fiquem a vontade para fazer o teste: saiam na rua, conheçam alguém e questionem como a vida funciona por aqui. Não é preciso muito empenho nem muita técnica para ouvir alguém dizer “você não sabe mas aqui em Patrocínio é assim”.

Deu positivo mas não é uma endemia. O nível de contaminação por aqui parece ser grande. Há muitos contaminados e é fácil encontrá-los cidade afora, verdade. Mas não dá para defender a idéia de que é uma endemia simplesmente porque não se trata de um “fator mórbido ou doença espacialmente localizada, temporalmente ilimitada, habitualmente presente entre os membros de uma população”. A força dessa postura por aqui é realmente impressionante mas ela não é novidade no mundo, não é diferente aqui do que em outras cidades, outros estados e outros países. A intensidade com que os contaminados defendem a idéia é que chama a atenção. É quase um tipo de fundamentalismo ideológico do fracasso, da impossibilidade, da acomodação e do conformismo. Quando a conversa envolve mais de um “contaminado” então, nos deparamos com uma defesa ferrenha de que “Patrocínio e os patrocinenses” são assim por natureza, por definição, por desejo divino ou intervenção diabólica. É assim porque é e pronto. A defesa chega a ser ameaçadora, violenta. “Contamine-se ou morra” é o que parecem dizer em suas palavras e atitudes.

A punição final para um membro que não se comporta de acordo com o grupo é sua expulsão do grupo. Depois de tentar forçá-lo a se enquadrar de várias maneiras, só resta o exílio ou a morte. Como estamos falando de vida social, o exílio completo é a morte para o grupo. Talvez isso seja um dos fatores que intimidam os que pensam diferente, os que entendem que “não é bem assim” ou “não tem que ser assim”. Mas são poucos os que reconhecem o comportamento. Nos outros, que fique claro. Evidente, ninguém gostaria de admitir que se comporta assim. Ninguém quer ser identificado como uma pessoa negativa. Ninguém gosta de sequer imaginar que foi submetido a um condicionamento, por anos a fio, das formas mais sutis que se pode imaginar para não questionar, contestar, transformar; que isso pode ter começado no berço e passado por todas as escolas, formais ou não, da vida; que pode ser visto no trabalho, na família, nos amigos. Não quero convencer ninguém de nada mas não vou (e não vão) me convencer de que “Patrocínio é assim”. Não ser daqui ajuda a entender isso e a dizer sim para Patrocínio. Mas posso dizer, com toda tranqüilidade que, se tiver que ser desse jeito, não quero ser.


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