segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Toc-toc

Não pude deixar de trazer para cá a transcrição de Knock knock de Daniel Beaty. Talvez por achar que o Dia das Crianças não tem nada a ver com aumento do movimento do comércio ou distribuição de esmolas às margens das estradas; talvez pelo dia dos professores e os textos publicados aqui no PatroSim; talvez por ter ouvido, de novo, “Meu Guri” do Chico Buarque, talvez por ter ouvido “12 de outubro” dos Racionais MC’s. Talvez tudo junto mas, principalmente, claro, pela força da mensagem e da postura. O vídeo está no YouTube. O texto trata de uma realidade diferente da nossa... ou talvez nem tanto.

“Toc-toc

Quando eu era menino, eu compartilhava um jogo com meu pai que a gente brincava toda manhã até meus três anos. Ele batia, toc-toc, na minha porta e eu fingia que estava dormindo até ele chegar bem perto da cama. Então eu me levantava e pulava em seus braços: “Bom dia, papai!” E meu papai… ele me falava que me amava. A gente tinha essa brincadeira: toc-toc.

Até o dia em que as batidas não vieram e minha mãe me levou numa viagem por campos de milho numa estrada sem fim até que chegamos num lugar com portões altos e enferrujados.

Um garoto confuso, eu entrei no prédio carregado nos braços da minha mamãe, toc-toc, nós chegamos a uma sala cheia de janelas e rostos pardos, atrás de uma das janelas, meu pai está sentado. Eu pulo dos braços da minha mãe e corro alegre em direção aos do meu pai apenas para ser impedido por essa janela, eu, toc-toc, tento atravessar o vidro, tento chegar a meu pai, eu, toc-toc... porque minha mãe me puxa para longe antes de meu pai dizer uma palavra. E por anos ele nunca disse uma palavra e vinte e cinco anos depois eu escrevo essas palavras para o menino em mim que ainda espera pela batida de seu papai.

Papai volte para casa porque eu sinto sua falta. Sinto falta de você me acordando de manhã e dizendo que me ama. Papai volte para casa porque há coisas que eu não sei e que eu pensei que talvez você pudesse me ensinar: como me barbear, como driblar uma bola, como falar com uma mulher, a andar como um homem. Papai volte para casa porque eu disse a algum tempo que eu queria ser exatamente como você... mas eu estou me esquecendo de quem você é.

E vinte e cinco anos depois um garotinho chora e eu escrevo essas palavras e tento me curar e ser meu próprio pai quando eu sonho com um pai que diz as palavras que meu pai não disse:

Querido filho, eu lamento nunca ter voltado para casa. Para cada lição que eu deixei de te ensinar, ouça essas palavras: faça a barba em uma direção com movimentos firmes para evitar irritação; drible as páginas com o brilho de sua esferográfica; ande como um deus e sua deusa virá até você. Eu não estarei mais lá para bater na sua porta por você então você deve aprender a bater sozinho. Bata nas portas do racismo e da pobreza que eu não pude. Bata nas portas da oportunidade do brilho perdido dos homens negros que lotam essas celas. Bata com diligência em nome de seus filhos. Bata por mim pois enquanto você for livre os portões dessa prisão não poderão deter meu espírito. O melhor de mim ainda vive em você. Bata com a sabedoria de que você é meu filho mas não minhas escolhas.

Sim, somos filhos e filhas de nossos pais mas não somos suas escolhas. Pois apesar de sua ausência, nós ainda estamos aqui, estamos vivos, estamos respirando, com o poder de mudar esse mundo um menino e menina de cada vez.

Toc-toc? Quem está aí?

Nós estamos.”

Nenhum comentário: