sábado, 19 de setembro de 2009

Um Sim na Ponta da Língua

Nunca cantei tanto o Hino Nacional. Desde que vim para Patrocínio, volta e meio me deparo com uma bandeira sendo hasteada, todos de pé, virados para ela, posição de sentido. Confesso, às vezes as circunstâncias nem são assim tão solenes, às vezes o evento nem é assim tão oficial e formal, às vezes não consigo entender direito porque é que alguém decidiu cantar o Hino Nacional. Nas primeiras vezes, apenas me surpreendi. Depois comecei a observar um pouco. Um pouco mais pra frente, comecei a querer tentar entender o que isso significava mais ainda não posso dizer que consegui. Sei que ouvi o Hino mais vezes em 2009 do que em muitos anos antes na minha vida.

O Hino não me incomoda. Longe disso e muito pelo contrário, me impressiono com um grupo grande de pessoas cantando juntas. Cantando praticamente qualquer coisa. Mas hinos especialmente e o Hino Nacional, muito mais. Quem canta junta, normalmente, não está simplesmente cantando ao mesmo tempo. Está cantando junto mesmo, unido. A mesma letra, a mesma melodia, o mesmo ritmo e, na medida do possível, o mesmo conteúdo, os mesmos significados. Está reagindo aos mesmos estímulos e expressando sentimentos parecidos. A freqüência com que ouço o Hino em Patrocínio me chama a atenção, sim, mas como surpresa agradável.

Mas, como bom mineiro, não consigo deixar de ser um tanto desconfiado. Cito um trecho de um texto de Gilson Matos que explica bem minha cisma: “[p]or outro lado, os contextos históricos e sociais que envolvem os hinos apresentam um saldo negativo. É o legado histórico das lembranças amargas dos tempos da ditadura do regime militar, quando os hinos eram instrumentos de persuasão e controle ideológico, repressão e demagogia de mãos dadas sob a égide do patriotismo, daí a desconstrução do valor simbólico e da importância de se ouvir e cantar os hinos para louvar a brasilidade.” Infelizmente, foi assim que conheci o Hino.

Eu ainda era novo demais para entender o que estava acontecendo, mas nasci durante a ditadura, ganhei consciência política durante a redemocratização, fiquei em formação fazendo fila no sol ou no frio na escola um sem número de vezes. Ensaiei para o desfile de sete de setembro, assisti paradas militares, conheci matérias como Educação Moral e Cívica e OSPB, Organização Social e Política do Brasil. Ao mesmo tempo, todos meus professores que ousavam falar de organização da sociedade e política, criticavam o sistema. Ao mesmo tempo, estudei em escolas que garantiam alguma liberdade e até incentivavam a reflexão, a contestação, a organização e mobilização dos alunos em turmas e grêmios. Sempre que podiam, as escolas evitavam esses “instrumentos de persuasão e controle ideológico, repressão e demagogia de mãos dadas sob a égide do patriotismo”. O Hino virou um símbolo de algo ruim, que estava acabando, que queríamos desmontar e nos afastarmos.

Vim para Patrocínio e, por uma série de fatores, vivo meu reencontro com o Hino. Em outros tempos para mim, para o Brasil e para o mundo. E o Hino não pára de tocar. Posição de sentido. Virado para a Bandeira. Todos cantam e cantam mesmo! Sabem a letra! Não aplaudem no final! Qualquer dia desses, vou beliscar alguém durante a execução do Hino para ver se eles são de verdade. Sob o risco do ridículo e até de desacato a autoridade. É que ainda não me convenci de nada. Nem de que os patrocinenses são os maiores patriotas que já conheci, nem que isso é mesmo só herança do passado. Para falar a verdade, ao contrário do que é costumeiro, pode ser que a razão não interesse tanto assim. Se a gente souber o que está cantando pelo menos... Pode ser uma semente para consciência política e cívica, para a participação. Termos o Hino na ponta da língua pode ser um ponto de partida, uma vantagem no aprofundamento da democracia. O contrário de tudo que o Hino foi antes. Pode ser um “sim” que dizemos ao país e a Patrocínio.


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